setembro 28, 2012

Os imortais


É voz corrente e uníssona que o mundo é dos vivos. Tal assertiva carece de fundamentos dogmáticos e filosóficos. Em uma análise concreta dos fatos e atos do cotidiano, constatamos que a vida é efêmera e fugaz, donde a participação dos vivos é extremamente transitória.

De forma diversa, a participação dos não presentes ao mundo físico se faz notar de forma incontestável e perene, através dos exemplos legados pelos Imortais da existência humana. De modo aleatório e despretensioso, colocarei aqui em pauta verdadeiras máximas da sabedoria que, ao longo dos tempos, procuram conduzir a Humanidade a um caminho mais justo e feliz.

A propósito de felicidade, o poeta Vinícius de Moraes a via como “...a gota/De orvalho numa pétala de flor/Brilha tranqüila/Depois de leve oscila/E cai como uma lágrima de amor”. Para o estadista alemão Konrad Adenauer – e ainda no aspecto da elevação humana – “vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte”.

“Quando sou tomado de dúvidas, socorro-me de pensamentos algumas vezes revestidos de comovente simplicidade, mas carregados de pródigos aconselhamentos” – dizia o saudoso compositor Cartola. “Queixo-me às rosas/mas que bobagem/as rosas não falam/simplesmente as rosas exalam/o perfume que roubam de ti”.

Em certos dias, nossa alma é invadida por uma tristeza infinda. É quando nos sentimos deprimidos. Entretanto o poeta Facundo Cabral, um verdadeiro imortal felizmente presente em nosso convívio, adverte: “Você não está deprimido, você esta distraído”.

Uma nuvem de desilusões encobre as maravilhas da natureza, assim como o verdadeiro sentido da vida. É então chegada a hora de ouvir a voz de Cristo: “Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles” (Mt 6, 28-29).

Plínio, denominado o Velho, escritor e pensador da Roma antiga, nos esclarece sobre a fragilidade humana: “O homem é o único animal que não aprende nada sem ser ensinado: não sabe falar, caminhar, comer – enfim, não sabe fazer nada ao estado natural a não ser chorar”.

Só podemos almejar a felicidade no mundo dos vivos se caminharmos lado a lado com a imortalidade de nossos Mestres. Pois, na palavra de Fernando Pessoa, tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

(Imagem: Flickr, do álbum de Anuj Nair)

setembro 23, 2012

A ilusão da verdade



Para muitos, a verdade seria a real percepção das coisas e dos fatos. Entretanto, a percepção é falha, etérea, fugaz e fugidia. Fragmenta-se no vazio, tornando-se o nada. O sim transforma-se em não. A verdade é aniquilada pela noção primitiva do falso. Através da magia que envolve as considerações filosóficas de Nietzsche, teceremos algumas reflexões sobre a ilusão que cobre o verdadeiro sentido da verdade.

O imortal autor de “O Anticristo” afirmava que a verdade era apenas um exército móvel de metáforas, onde “as verdades são ilusões que foram esquecidas”. Ressaltava ainda que a verdade seria um mero ponto de vista. Para nosso festejado Caetano Veloso, “a verdade é seu dom de iludir”.

A realidade morre a cada instante. O é já foi, e agora apenas era. O presente é praticamente imperceptível. O passado não mais existe, restando-nos o consolo da ilusão futura. A ilusão torna a existência humana possível. A verdade acaba quando nos desiludimos. Herbert Marcuse, de forma estranha, afirmava que aquilo que é não pode ser verdade. Mas os espectros ilusórios dos fatos estão presentes na sua assertiva. Ele acreditava, por exemplo, que o sistema político, apesar de real, não poderia ser considerado racional, pois contrariaria a lógica da verdade racional.

Vivemos e convivemos com a ilusão da verdade. Possuimos uma vaidade pessoal incontrolável, talvez devido ao fato de que não conhecemos e jamais vamos conhecer nossa própria face. O que enxergamos é nossa imagem distorcida e refletida nos espelhos. Nossa própria voz também nos passa despercebida em qualquer tipo de gravação. A ilusão de nossa beleza física fica por conta de nossa imaginação fantasiosa, presente no ego dominador da mente humana.

A prova da ilusão da verdade está na crença do livre-arbítrio e na auto-determinação dos povos. Mas isto é apenas uma quimera. Nossa liberdade individual e coletiva depende das corporações econômicas, das religiões e da mente insana da maioria de nossos governantes. Tal realidade foi descrita por Jean-Jaques Rousseau, que preconizou: “O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado”.

A verdade deixará de ser apenas crença quando os seus princípios forem úteis à natureza e à fauna humana.

(Imagem: Flickr, do álbum de ecstaticist)

setembro 15, 2012

A guerra santa


A imprensa mundial, perplexa, divulga: mundo árabe em “Guerra Santa contra os Estados Unidos”. O movimento teve por estopim um filme norte-americano, produzido por um cineasta cuja mente foi inundada por preconceitos mesquinhos e irracionais. Na obra, de qualidade vulgar, a figura máxima do Islamismo – o profeta Maomé – foi ridicularizada provocando, de forma brutal e incontrolável, a ira de seus seguidores.

A intolerância religiosa não se coaduna com os ensinamentos e os exemplos de compaixão exortados por mestres espirituais. Moisés, profeta hebreu que teria vivido por volta do século XIV a.C, legou à Humanidade os Dez Mandamentos – preceitos que condenam o ódio entre os semelhantes. Há que ressaltar, inclusive, que Moisés é venerado pelas principais religiões monoteistas do mundo. Ou seja, seus ensinamentos estão presentes no Judaismo , Islamismo e Cristianismo.

Não menos importante, Sidarta Gautama – Buda, o Iluminado – pregou a tolerância ao afirmar  que “melhor do que mil palavras inúteis é uma única palavra que transmita a Paz”. Um humilde carpinteiro, em pouco mais de 30 meses, tornou-se o Mestre dos Mestres ao pregar: “Amai-vos uns aos outros”. Foi ninguém menos que Jesus de Nazaré,  a verdadeira essência da tolerância e compreensão entre os homens de boa vontade.

Por volta do ano 570 d.C, nasceu em Meca, na Arábia, o profeta Maomé, fundador do Islã, cuja palavra significa submissão ou rendição aos preceitos da moral e da justiça.

Creio que a intolerância religiosa seja admitida e as vezes até estimulada por causa da frequente falta de compaixão humana. Desde o alvorecer do mundo, a compaixão foi a mais prescindível das emoções. Os seres humanos criaram obstáculos para impedir a si mesmos de sentir compaixão, reforçando a relutância em conhecer um inimigo ou um estranho, pessoalmente ou na intimidade.

Verdadeira paz, no entanto, só será definitivamente alcançada quando os indivíduos se relacionarem em amor, justiça, alegria e compreensão. Pois a única compaixão, aceitável num mundo que a todos considera em igual nível de dignidade, é a colaboração mútua. Do contrário, se ao encontro faltar um traço de compaixão, ele estará incompleto, será apenas mais um encontro desperdiçado.

(Imagem: Flickr, do álbum de Jalca)

setembro 07, 2012

Hipocrisia brasileira




Nossa sociedade carrega consigo títulos e rótulos desnecessários e desonrosos. Elitista, machista, conservadora, egoísta, racista e, finalmente, profundamente hipócrita. No terreno pantanoso e mal-cheiroso da política brasileira, prevalecem as palavras de Frei Beto: “A política é o resultado da sociedade que a produz e, em seu espelho, reflete todas as suas contradições”.

Nossos políticos são alpinistas que sobem literalmente no povo, em busca do cume sagrado do Poder. Não se exigem provas de conhecimento, nem predicados éticos e morais para o êxito na vida pública. As campanhas eleitorais são pavimentadas com recursos oriundos quase sempre de fontes suspeitas e ávidas de uma contrapartida ilícita. Nosso ambiente político, alicerçado por agremiações que em nada se assemelham aos partidos, incluem até alguns de seus componentes comparados a agentes mafiosos.

Tudo isso contribui para que nossa infante Democracia seja sempre dúbia, claudicante, pálida, raquítica e vulnerável aos golpistas de plantão. O povo, alienado, não possui a real noção do perigo a que permanece exposto. Em nossa mente ecoam as palavras de Maquiavel: “Quem estudar a história contemporânea e da antiguidade verá que os mesmos desejos e as mesmas paixões reinaram e reinam ainda em todos os governos, em todos os povos”.

Não menos conturbada é a seara da Religião, onde a hipocrisia floresce e viceja com grande intensidade. Política e religião sempre andaram juntas, embora não compartilhando os mesmos dogmas. Carregando o símbolo da Cruz, a colonização ibérica na América Latina, e a inglesa nas terras do Tio Sam, dizimaram milhares de indígenas, colaboraram com a escravatura e saquearam os recursos minerais. Tal fato ainda persiste na cultura tupiniquim, onde seitas desprovidas inclusive do pudor Divino, escravizam os pobres e se aliam a políticos saqueadores.

Nas Relações de Trabalho a hipocrisia não é menos visível, reforçada por preconceitos e discriminações de toda ordem. O pensador inglês William Hazlitt afirmava que o preconceito é filho da ignorância. Entretanto, o preconceito pode estar hoje mais próximo da hipocrisia do que da ignorância, pois o ignorante desconhece o que o hipócrita louva mas não pratica.

Concordo com o fabuloso escritor uruguaio Eduardo Galeano: “Considera-se culto quem oculta, rende-se culto à cultura do disfarce”.

(Imagem: Flickr, do álbum de B A Y S A L)

setembro 01, 2012

Transforme sua vida


Viver a vida imaginando-a em companhia da felicidade é fácil e utópico. Entretanto o sofrimento faz parte da existência humana. Por isso, difícil é renunciar à infelicidade.

Para Shakespeare, nada é bom ou mal senão pela força do pensamento. O dualismo e a dicotomia são indispensáveis a uma vida dinâmica e repleta de paradigmas. A inexistência da antítese e dos opostos tornaria a vida amorfa e sem sentido.

No princípio havia apenas o Uno, sem espaços, sem vácuos, onde predominava a indeterminação dos sujeitos – o Tudo e o Nada. Necessário se fez a fratura, a ruptura, a fragmentação e o caos. Nada mudava, pois para transformar precisamos do atrito,  da presença de dois elementos para que possa acontecer alguma ocorrência . A soma de um não com outro não nos valida um sim. O que faz o bem-estar é a contrastante existência da dor.

Pascal, com extrema sapiência, afirmava que “se o mal acabasse, Lúcifer perderia o sentido, mas Deus também”. No ventre paradisíaco do Gênesis, estagnado na eternidade, o Homem não existia, era um rascunho de vida, um projeto do Criador. Através da armadilha da proibição, criou a desobediência, encontrou a liberdade e a condenação divinas.

Para atravessarmos a ponte que une nossa efêmera passagem terrena até os umbrais da eternidade, temos que transformar nossas vidas. Resgatar em nossas mentes infinitas possibilidades, aprisionadas pelo medo, pelo nosso egoísmo, pela falta de fé em nossa capacidade pessoal  e descrença na compaixão de Deus.

O temor do fracasso impede nossa contínua caminhada em busca da auto-realização. Na estrada da vida, não existem placas de sinalização e nem portamos aparelhos de GPS. Muitas vezes paramos no acostamento, porque quando não se sabe o destino não se chega a lugar algum. Em determinado momento de nossa árdua caminhada, precisamos sair do comodismo de nossa zona de conforto. Torna-se necessário não apenas sonhar, não apenas planejar, mas arriscar, agir, tomar atitude. Seguir o aconselhamento de T. S. ELIOT: “Somente aqueles que se arriscam a ir longe demais serão capazes de descobrir quão longe podem ir”. 

O homem nasceu para lutar, e sua vida será sempre sua eterna batalha.

(Imagem: Flickr, do álbum de Josh Sommers)