julho 28, 2012

Aceitando as perdas


Só nos tornamos adultos no dia em que aceitamos totalmente as responsabilidades de nossas vidas. A pessoa responsável é aquela que aceita o que existe, escolhe enxergar o copo cheio pela metade. A vítima sempre prefere enxergá-lo metade vazio.

Para crescer precisamos tanto da chuva quanto do sol. A dor da perda nos parece incompreensível. Ver e escutar parece tão simples, e no entanto nossa interpretação nos leva a escutar e enxergar em função do que, acreditamos, deveríamos enxergar e escutar. Nós queremos sempre uma coisa diferente do que existe. Acreditamos que a felicidade está em outro lugar, e por isso as tristezas e as perdas não encontram respaldo em nossa forma de ver a vida. Precisamos entender que ela é um constante processo de mutação, uma transformação contínua, um nascer, morrer e renascer para a eternidade.

Para Schopenhauer, “a vida é um sonho e a morte, o despertar”. Talvez a mais bela metáfora sobre a vida seja sua analogia com uma viagem de trem. Ao nascer embarcamos no trem da vida, com um só bilhete de ida. No primeiro banco encontramos nossos pais e nossos irmãos. Com o decorrer da viagem, novos passageiros passam a nos fazer companhia – nossos cônjuges, filhos, amigos, etc. Com o fluir do tempo, novos passageiros vão embarcando, enquanto outros descem na derradeira estação da existência. Pela janela podemos vislumbrar belos e maus momentos do cotidiano.

Muitas vezes gostaríamos de não enxergar as tristezas da Humanidade. Domingo passado notei, ao acordar, que o dia estava lindo. Todos estávamos alegres, reverenciando as maravilhas da Criação. Súbito, olhei para o primeiro banco e dei pela falta de meu querido pai, que havia desembarcado sem se despedir de nós. Minha tristeza foi ainda maior ao perceber que aquele banco ficará vazio para sempre, pois minha mãe e meu único irmão já se foram há anos. Senti uma dor e uma desolação profundas. Mas constatei que em outros assentos do trem da vida, há pessoas maravilhosas, que me ajudarão nos resto da viagem. Minha esposa, meus filhos, minha netinha e meus amigos. Ocorre-me que o sofrimento é tolerável, se não tivermos que enfrentá-lo sozinhos.

A maioria do que possuimos não encerra um significado em si. Na verdade, são muito para nós a partir do que representam. E isto é nosso para sempre.

Obrigado, Pai!

(Imagem: Flickr, do álbum de Leo Druker)


julho 21, 2012

A pobreza no Brasil




Segundo o IBGE, o Brasil tem mais de 16 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza. Isto representa 8,5 % da população do país, e de acordo com Márcio Pochmann, presidente do IPEA, a taxa de miserabilidade atinge um em cada dez brasileiros.

São números que desabonam a imagem de nosso país em qualquer aspecto do desenvolvimento humano. Entretanto o mais grotesco e chocante é que o Brasil brilha de modo inquestionável no quesito do luxo e da ostentação. Através de uma avaliação injusta e equivocada, pleiteamos e ganhamos o direito de sediar uma Copa do Mundo de Futebol e uma Olimpíada. Esnobismo que será pago, mais uma vez, pelos pobres dos pobres, como afirmava Madre Tereza de Calcutá, cujo trabalho em favor dos fracos e oprimidos não só da India, como  de várias  partes do mundo, nos faz envergonhados de nossa apatia, falta de ação e indignação ao testemunhar um verdadeiro holocausto de nossos  conterrâneos, desvalidos da sorte.

O descaso social nosso e de nossas autoridades torna os ricos, pobres. Pobres de segurança e de alegria, transformando-os em verdadeiros indigentes da felicidade. Aprisionados em seus lares (alguns até semelhantes a castelos medievais), esses senhores sequer usufruem de seus bólidos de passeio por não disporem de rodovias adequadas. Nos restaurantes, são assaltados na entrada e nos preços cobrados pelos serviços prestados. E ainda necessitam de sorte e segurança pessoal para retornarem às suas casamatas.

Essa situação caótica faz parte da tradição brasileira, onde uma sociedade burguesa e elitista padece de miopia cultural, cujos princípios éticos e morais estão sempre opacos e distantes da realidade. No Brasil, o social sai com frequência nos discursos, para descansar nas distribuições aleatórias de verbas segundo critérios discutíveis. A imensa quantidade de ONG’s e de dinheiro gasto na área social é significativa, mas a qualidade dessa gastança é quase nenhuma.

Creio que só nos resta decidir se queremos conquistas socialmente menos injustas. Ou se nos será suficiente a ilusão de concessões que, na realidade, perpetuam a humilhação e a exploração da maioria pela manutenção de costumes tão velhos quanto intocados. 

Como dizia o saudoso Dom Helder Câmara, “quando dou de comer aos pobres, chamam-me de santo; quando explico porque é que os pobres tem fome, chamam-me de comunista”.

(Imagem: Flickr, do álbum de ana_lee_smith)

julho 14, 2012

Prisioneiros do medo




O ser humano é capaz de perceber eventos, formular os mais complexos juizos, recordar todo tipo de informação, resolver problemas inimagináveis e colocar em ação qualquer plano jamais elaborado. Entretanto, essa maravilhosa capacidade o torna senhor de decisões para diversos fins. Como a de colocar sua própria vida em defesa de um desconhecido ou como humilhar seu semelhante sem qualquer justificativa.

Verdadeiro guardião da paz e juiz da guerra, conhecedor de seus poderes e de sua imensurável fraqueza, o homem vive engaiolado em sua alma, eterno prisioneiro do medo. O instinto de sobrevivência, a ignorância dos verdadeiros valores da vida e a presença traiçoeira da dúvida, colocam-nos em inércia doentia. Não arriscamos, com medo de perder. Não amamos, com medo da paixão. Não nos envolvemos, com medo da ilusão. Não falamos, com medo do que vamos escutar. E não vivemos, porque temos medo de morrer.

Algumas vezes nem partimos com medo de não voltarmos. A primeira sensação de medo é a que sentimos ao nascer. Desprotegidos, sentimos frio, sentimos o desalento, sentimos a verdade do medo de viver. Mas devemos pensar como Pablo Casals, que afirma que a principal coisa na vida é não ter medo de ser humano.

O sentimento de medo é necessário, inclusive para a sobrevivência da raça humana. É uma forma de energia que não pode ser destruída ou ignorada, mas pode ser transformada em ação de cautela e prudência. A verdade é que os portais da sabedoria e do conhecimento estão sempre abertas. A vitória sobre o medo depende de sabermos que a vida é muito simples: o que damos, recebemos, o que pensamos sobre nós torna-se verdade para nós. Somos responsáveis pelos nossos medos, cada um de nós cria em seu pensamento o seu caminho de vida e o de busca à sua felicidade. A covardia é o consentimento que temos do medo, e a coragem é a vitoria sobre o medo.

Pode parecer estranho, mas muita gente não acredita em nada mas tem medo de tudo. Certo estava Franklin Delano Roosevelt: “Aquilo que mais devemos temer é o próprio medo”.

(Imagem: Flickr, do álbum de Bruno Leyval)

julho 07, 2012

Crise cultural




Pode soar estranho aos ouvidos dos desatentos o título em questão. No entanto, é sobejamente sabido que nos últimos tempos nossa civilização adentrou no labirinto do conhecimento humano, de forma jamais vista em qualquer outra época. Navegamos em águas de todo o saber conhecido. Qualquer criança, com um simples toque, se conecta à aldeia global. Não existe mais fronteira para o saber. Através da internet podemos ter acesso a praticamente tudo o que foi disponibilizado pelo homem no tocante ao seu progresso cultural.

Entretanto continuamos a patinar no lodaçal do mediocridade, principalmente por uma batalha tola e desnecessária entre os partidários do politicamente correto e incorreto. Somos bombardeados cotidianamente por uma mídia sem escrúpulos, desprovida de qualquer valor humano e cultural. Através dos ditames do entretenimento, a verdadeira cultura é sempre deslocada de seus reais princípios e valores assumindo, de forma despudorada, o controle de nossas mentes – o que faz dela uma cultura de massa, estéril e alienante. A cultura popular – o folclore e todo acervo de sabedoria, um tesouro legado pelos nossos antepassados – é simplesmente lançado no lixo da História.

Hoje temos muita informação, mas assimilamos pouco conhecimento e praticamente não adquirimos sabedoria. O conhecimento atual é-nos apresentado de forma fragmentada, sem reflexão sobre seu conteúdo. O que confirma afirmação de Leon Tolstoi, segundo quem “os homens distinguem-se entre si também neste caso: alguns primeiro pensam, depois falam e em seguida agem; outros, ao contrário, primeiro falam, depois agem e, por fim, pensam”.

Atualmente, quando observamos a grande quantidade de faculdades e cursos oferecidos, somos tentados a acreditar que o homem está interessado em valorizar a instrução e a busca da verdade. Mas de forma inequívoca, aqui também as aparências enganam, pois professores mal pagos fazem do sagrado ato de ensinar um simples meio de sobrevivência. Alunos formam-se apenas em busca de status social e melhores condições de emprego. Vivenciamos a época das  especializações: mais valor tem quem é especializado, não importa em quê.

Segundo Schopenhauer, o especialista é um homem que mora em sua própria casa, nunca saindo dela. “Na casa, ele conhece tudo com exatidão, cada degrau, cada canto e cada viga, como, por exemplo, o Quasimodo de Victor Hugo conhece a catedral de Notre-Dame, mas fora desse lugar tudo lhe é estranho e desconhecido”.

A crise cultural de nossos dias pode ser retratada naqueles que sabem pouco, mas falam muito, e nos que sabem muito e falam pouco.

(Imagem: Flickr, do álbum de Vassilis Triantis)