outubro 27, 2012

O futuro do trabalho


Urge, inadiavelmente, que se promovam mudanças não só estruturais, mas também conceituais nas relações que regem o trabalho humano.

Até o advento industrial, o trabalhador dedicava seu labor à criação individual. Nela estava presente seu coração e sua alma. Era então que, como nunca, o artesão se aproximava do artista. Praticamente havia sempre um toque de poesia em cada peça trabalhada.

Atualmente, a maioria da classe operária investe todos os seus sonhos e energias numa carreira, que nem sempre é a preferida. O trabalhador passa a maior parte do dia em seu local de trabalho, sob pressão de uma competição injusta e desumana. Reduz-se então seu gosto pelo lazer, surge o desinteresse pelo núcleo familiar. Enfim, o desgosto pela vida.

Creio que o avanço tecnológico, aliado a um grau superior de cultura, não serviu para alterar o pensamento preconizado por Oscar Wilde: “Vivemos numa época em que as pessoas são tão trabalhadoras que ficam estúpidas”.

O ambiente de trabalho, a par de todo modernismo, está embrutecendo o espírito humano. De forma objetiva, constatamos que está faltando ‘coração’ no trabalho. Já não existe companheiro, mas adversário. As atuais formas de produção são executadas de modo alienante, o trabalhador fica  impedido de pensar, criar, transformar. Enfim, de exercer sua plena capacidade humana.

O dualismo comportamental do trabalhador é questionado através dos tempos. Henry Ford advertia: “Quando trabalhamos, devemos apenas trabalhar”. Isto, de certa forma, considerava abolida a alegria na labuta. Para Marx, entretanto, o trabalho, a criatividade, o divertimento e a vida deviam ser uma coisa só.

Apesar de todo o desconforto e mal-estar, o trabalho deve ser executado com alegria e altivez. “Se lhe pedirem para ser um varredor de ruas, varra as ruas como Michelangelo pintava, como Beethoven compunha, ou como Shakespeare escrevia. Varra as ruas tão bem, que todos os anjos do céu e da terra façam uma pausa para dizer: Aqui viveu um grande varredor de ruas que fazia bem o seu trabalho” (Martin Luther King).

(Imagem: Flickr, do álbum de Ben Heine)

outubro 21, 2012

Deus e religião


É senso comum que a luta pelo monopólio divino transforma o credo religioso em contradição aos seus próprios preceitos, presentes em todas as religiões. E estas tem, como ponto de partida, o amor ao próximo, a tolerância e a busca da Verdade.

A palavra religião deriva do termo latino re-ligare, que significa religação com o Divino. Toda religião possui um conteúdo metafísico. Ao examinarmos os aspectos históricos e sociológicos da Humanidade, constatamos sempre a adoração a Deus. Entretanto, por serem uma criação exclusiva do Homem, as religiões refletem as fragilidades de seus componentes.

Embora amada e combatida por muitos, não consigo vislumbrar sociedade sem uma religião, um credo. Valho-me  da imprescindível afirmação de Albert Einstein, segundo quem “a ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”. O festejado autor de O Príncipe, Maquiavel, asseverou que “a perda de toda devoção e religião atrai um sem-número de inconvenientes e desordens”.

Infelizmente, de forma às vezes impensada e carente de qualquer razão lógica, assistimos a genocídios pelo simples fato de as vítimas professarem crença diversa ao que determina o establishment. É inconcebível a condenação, de modo dantesco ao fogo eterno do Inferno, a quem não seja cristão, budista, muçulmano, etc.

Contestando essa barbárie, o mensageiro da esperança e prêmio Nobel da Paz – o bispo da África do Sul, Desmond Tutu – publicou o polêmico livro Deus não é Cristão, no qual fica patente a mensagem de que Deus está acima de tudo e que, portanto, é mais que qualquer religião.

Para aquele autor, dizer que Deus é apenas cristão seria torná-lo muito pequeno. Afastar de sua complacência os hindus seria penalizar a santidade de Gandhi. Se Deus é cristão, como ficaria a situação dos profetas do Antigo Testamento? Certamente Moisés não alcançaria o Reino de Deus... 

Em verdade Deus não tem religião, por isso o cumprimento budista diz: “O Deus dentro de mim saúda o Deus dentro de você”.

(Imagem: Flickr, do álbum de Ronaldo F Cabuhat)

outubro 13, 2012

Viva a Música Brasileira!



A música é a expressão mais difundida nas artes. E é através da arte que o Homem se humaniza e se aproxima do Criador.

Arte é tudo aquilo que nos emociona, nos toca a alma e se perpetua na mente humana. A dimensão do poder da música é exaltada nas palavras de Schopenhauer: “A música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende”.

A Música Brasileira – não só a popular, mas todo o conjunto de seus  músicos e compositores em todos os seus gêneros – constitui um verdadeiro patrimônio da cultura brasileira. Nos dias atuais, contudo, nossa música tem padecido de criatividade, bom gosto e carência de talentos. De forma diversa à de outros tempos, não vislumbro filosofia e poesia em sucessos tipo ai se eu pego, tche-tche-tche, le-le-le e assim por diante.

Despretensiosamente (e longe de manifestar preferências), rendo aqui minha homenagem aos imortais da Música Brasileira. Registro exemplos do que considero maravilhosos versos poéticos, cheios de reflexões filosóficas de grande impacto para a alma humana:

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” (Caetano Veloso, em Dom de Iludir).

Quando a caminhada está difícil, é oportuno lembrar de “Ando devagar / Porque já tive pressa / E levo esse sorriso / Porque já chorei demais / Hoje me sinto mais forte / Mais feliz quem sabe / Eu só levo a certeza / De que muito pouco sei / Ou nada sei” (Renato Teixeira, em Tocando em Frente).

Trago também na memória: “Pobre moreno / Que de noite no sereno / Espera a lua no terreiro / Tendo um cigarro / Por companheiro / Sem um aceno / Ele pega da viola / E a lua por esmola / Vem pro quintal / Deste moreno” – linda canção de Lamartine Babo em Rancho Fundo.

A dignidade da pessoa humana é lembrada por Gonzaguinha em Guerreiro Menino: “Um homem se humilha, se castram seus sonhos / Seu sonho é sua vida, e vida é trabalho / E sem trabalho, o homem não tem honra / Se morre, se mata / Não dá prá ser feliz, não dá pra ser feliz”. 

Certa andou a saudosa Cora Coralina, pois não morre aquele que deixou na terra a melodia do seu cântico na música de seus versos.

(Imagem: Flickr, do álbum de Lavínia Carvalho)

outubro 06, 2012

Tempos idos e vividos




Cinquenta textos publicados após o início deste Portal do Autoconhecimento, chego a uma etapa em que é inevitável olhar para trás. Transpondo a barreira do primeiro artigo, intitulado A vida e com o qual inaugurei este blog, vou um pouco além, talvez seduzido pela letra da canção que há tempos apregoava que recordar é viver.

Hoje eu diria que evocar o passado é prestar contas de nossa existência. As lembranças não são vãs, o passado aprisionado em nossa mente é depositário de um filme imaginário que registra nossa caminhada terrena.

Creio ser um privilégio viver em dois séculos, em dois milênios. Nasci em 1949, poucos anos após o término da Segunda Guerra Mundial. Vim ao mundo numa época de sonhos e esperanças, de personalidades como Charles Chaplin, Winston Churchill, Carl Gustav Jung e outros líderes da Humanidade – todos então em plena atividade.

Aos dez anos de idade eu morava na serra de Nova Friburgo, em um pequeno lugarejo encravado na mata. Ali não havia luz elétrica e – até em conseqüência – qualquer outro tipo de conforto moderno. Mas era maravilhoso tomar banho no riacho de águas cristalinas, sobre cujo leito, forrado de pedrinhas coloridas, era possível apreciar o ir-e-vir dos peixes. E tudo isso sob a vigilância de alegres esquilos, que chamávamos caxinguelês.

Insisto ainda em lembrança rápida e revejo meu pai, Chefe da Estação Ferroviária, nossa moradia. Fascinava-me aquele ‘cavalo de ferro’ fumegante nas madrugadas frias, fazendo tremer nossa casa em sua passagem.

Chego então ao meu primeiro contato com o mundo literário, através de Meus Verdes Anos, de José Lins do Rêgo, e Urupês, de Monteiro Lobato. Aos quinze anos de idade, após ler Dom Quixote, escrevi um poema só com a letra C, intitulado Cervantes Continua Caminhando.

Do rádio me veio a paixão pelo futebol. Os locutores narravam as partidas com tanta emoção que, em criança, era fácil imaginar o estádio em nossa sala. Acompanhar todas as Copas do Mundo vencidas pelo Brasil, ver Garrincha, Pelé, Zico e tantos outros craques jogarem foi, para mim, um presente de Deus.

Vi nascer a televisão, o homem caminhar na Lua, o conhecimento desbravado via Internet. A tudo reputo dádiva divina, não concedida a todos. Tive a honra e a graça de conhecer e manter alguns encontros com Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, Arcebispo de Mariana, falecido em 2006 e autor do prefácio de meu livro Cativos na Liberdade. Apertei mãos dignas como as de Dom Helder Câmara, Paulo Freire e Florestan Fernandes.

No texto em que dei partida a esta série, falei do sofrimento, de onde tantas vezes nos vem a energia para prosseguir. Se, nestes doze meses de caminhada, tive tropeços pela dor de perdas como a de meu pai, por outro lado não me faltaram forças e estímulo tão necessários ao re-erguimento, à retomada do caminho. Há horizontes, ainda.

Confesso, então, que a vida vale mesmo a pena.

(Imagem: Flickr, do álbum de globalrain)