novembro 24, 2012

O senso comum




Conhecimento adquirido através da experiência e culto às tradições e costumes, o senso comum é sempre um aprendizado pautado pela falta de reflexão, uma espécie de maria-vai-com-as-outras. O antropólogo americano Clifford Geertz definiu o senso comum “um emaranhado de práticas recebidas, crenças aceitas, julgamentos habituais e emoções que não foram ensinadas”.

É através do senso comum que sabemos o que vestir, quando trabalhar, como nos comportarmos na rua ou em uma festa, como manter relações sociais harmoniosas. São regras ocultas a que somos levados a obedecer.

Em contraste com o conhecimento teórico, o senso comum não reflete sobre o mundo. Em vez disso, tenta lidar com ele simplesmente como ele é, ou como pensamos que ele seja. E varia de acordo com a época e a ocasião. No início do século passado, era comum assistir a um jogo de futebol vestindo trajes que incluiam terno, gravata, chapéu e outros assessórios hoje totalmente desconhecidos. Como, por exemplo, uma caixinha de rapé.

Senso comum não se confunde com bom senso. Enquanto este é sempre norteado por princípios que buscam o bem estar e a harmonia social, o senso comum pode estar mais próximo de um modismo desconfortante e até preconceituoso. Pois como asseverou Oscar Wilde, “a maioria dos homens morre de uma espécie de senso comum rasteiro, e descobre, quando já é demasiado tarde, que as únicas coisas de que nunca nos arrependemos são as nossas tolices”.

Negação do óbvio, pois na maioria da vezes nos engana, o senso comum tantas vezes ocultou e oculta o bom senso que o teme. 

E que, apesar disso, sempre existiu.

(Imagem: Flickr, do álbum de Theblueheartbeat)

novembro 10, 2012

A felicidade


Sem dúvida o Homem deseja incondicionalmente ser feliz, mas esse desejo é permeado de dúvidas e de sofrimento. Isto porque o ser humano é dotado do dom da reflexão e da crítica – qualidades que o colocam no patamar da Criação, embora também o tornem preocupado com o futuro e amargurado pelo fardo de erros cometidos no passado.

Na Índia, acredita-se que Deus pronuncia apenas a palavra “sim”. Na verdade, Ele não diz sim ao que as pessoas pedem, mas ao que creem. Se você não acredita na felicidade, Ele apenas pode ajudá-lo a ver que tem razão. Shakespeare afirmava, sobre nossos medos, que “nada é bom ou mau , é o pensamento que o torna assim”.

A felicidade não existe fora de nós, onde geralmente a procuramos, mas dentro de nós. É lá onde raramente a encontramos. Ela é o ponto de equilíbrio entre a necessidade e a possibilidade, isto é, entre o que queremos e o que podemos. A felicidade é uma capacidade interior de se adequar à realidade e dela extrair todas as alegrias possíveis.

É bom e reconfortante saber que recebemos tudo de que precisamos para sermos felizes. O triste é perceber que, frequentemente, não sabemos usar o que nos foi dado. Precisamos entender que não existe o bem sem o mal, a luz sem a escuridão, o dia sem a noite, o amanhecer sem o entardecer, a perfeição sem a imperfeição. 

Quando você consegue aceitar as contradições que a vida oferece, quando segue de bom grado a correnteza entre as margens do prazer e da dor, experimentando ambas mas não encalhando em nenhuma, você merece ser feliz.

(Imagem: Flickr, do álbum de Mansour Ali)

novembro 03, 2012

Vergonha nacional




O povo brasileiro acompanhou, com inusitado interesse, o famoso caso do Mensalão, envolvendo um grupo de indivíduos travestidos de empresários e políticos, julgados pela suprema corte brasileira. A maioria desses cidadãos, até então acima de qualquer suspeita, foi condenada.

Durante três meses, oito homens e apenas duas mulheres de capa preta protagonizaram um espetáculo jamais visto no judiciário nacional. Frente às câmeras de televisão, os Meritíssimos se revezaram em ataques a seus pares, com demonstrações de conhecimentos jurídicos, poéticos e filosóficos.

O que deveria ser ordinário transformou-se em extraordinário. Ao aplicar os ditames da Lei, o Douto Julgador foi ungido à figura de um deus da Justiça, elevando-se ao cume do Olimpo  tupiniquim.

Poder e corrupção sempre caminharam de braços dados na estrada esburacada, lamacenta e malcheirosa da política brasileira. Uma política sadia é ‘higiene moral’ dos povos desenvolvidos, ao passo que a corrupção transforma-se no câncer das nações moralmente doentes.

Sob certo aspecto, o Poder Judiciário brasileiro provou ser verdadeira a afirmação da filósofa alemã Hanna Arendt, segundo quem “a banalidade do mal pode e deve ser combatida”. O desvio de conduta humana foi sentenciado por Aristóteles: “O homem, quando ético, é o melhor dos animais; mas, separado da Lei e da Justiça, é o pior de todos”.

Parafraseando nosso metafórico ex-presidente, creio que nunca, jamais, em tempo algum se viu no País tanto desmando, tanto descaso com a coisa pública. Justiça seja feita: tal ato ou tal fato não constituem primazia ou exclusividade de governos atuais. Ao contrário, a rapinagem é tradição secular na administração de nossa espoliada pátria mãe gentil.

Será sempre mais fácil calar. No entanto, com cada vez mais freqüência, é impossível não dizer.

(Imagem: Flickr, do álbum de mysticpolitcs)