agosto 25, 2012

Humilhação



Numa época em que prevalecem os ditames da hipocrisia, da negação do princípios básicos da Ética e da Moral, nossa sociedade convive – e às vezes até o estimula – com o sentimento mais perverso da pessoa humana: a humilhação de seus semelhantes. Tal fato se faz notar através do culto à beleza física e ao acúmulo de bens materiais. Procuramos saber os custos, mas nunca o valor das coisas.

O modo de produção adotado pelo sistema capitalista, na visão de Marx, e a formação da sexualidade humana, analisada por Freud, nos levam a concluir que a raça humana está inevitavelmente condenada a um processo contínuo e permanente de humilhação. Segundo as teorias elaboradas pelos gênios citados, esta seria a verdadeira humilhação social. Ela atinge, de forma cruel, os pobres e as pessoas desprovidas de beleza física.

O poder de humilhar é atributo exclusivo do ser humano. Nas palavras de Gandhi, o que mais impressiona nos fracos “é que eles precisam de humilhar os outros, para se sentirem fortes”.
Embora seja praticamente impossível explicar a satisfação pessoal da pessoa que humilha, uma das razões para tal ato talvez seja a presença de várias pessoas dentro de nós, lutando entre si: um animal em fúria, uma criança a correr pelos campos verdejantes, ou apenas um observador com um coração de ouro.

O que humilha, carrega consigo numerosos índices da “pobreza no ser” que se manifestam em todas as direções. Como na incapacidade de amar, de aceitar a diversidade dos outros, de ser totalmente autêntico e completamente feliz. A humilhação fere mais que uma agressão física, pois atinge diretamente a alma humana. O humilhado se sente discriminado, diminuido e solitário em sua agonia existencial.

Hoje vivemos em uma sociedade de riscos, onde tudo é efêmero e transitório. Onde prevalece a amizade virtual em detrimento da conexão humana, permanente e duradoura. Seguindo as palavras sábias de Schopenhauer, nossa sociedade “é tão indigente quanto indulgente”. Carregamos muito peso inútil, largamos pelo caminho objetos que poderiam ser preciosos enquanto recolhemos inutilidades. 

Vítimas da humilhação, tornamo-nos mais fortes. Afinal, nunca recebemos uma fardo maior do que podemos carregar.

(Imagem: Flickr, do álbum de Simon Brader)

agosto 18, 2012

A transformação do trabalho humano



A história da Humanidade é um longo percurso do homem para o seu resgate da condenação bíblica e mítica do trabalho como fadiga. Na sociedade pós-industrial, a cultura prevalece sobre a natureza. Serenamente, sem complexos de culpa, o homem pode finalmente delegar às máquinas não só o esforço físico, mas também a parte mais tediosa do trabalho intelectual.

Por vários motivos o mundo do trabalho está se transformando, e nele o trabalhador encontra, de uma só vez, a possibilidade de debelar a fadiga e a tradição de autoritarismo patronal. Segundo Heráclito, “é na mudança que as coisas repousam”.

De forma surpreendente, o século que mudou radicalmente a face da Humanidade – o vigésimo da Era Cristã – viu duas guerras mundiais e, também, cidades encherem-se de fábricas, ruas, escolas e casas. “Escamoteou-se a vida”, na visão Flaubert, produzindo e consumindo com vigor, apesar de períodos cinzentos. Mais cem anos de peregrinação do ser humano chegam ao fim, trazendo desta vez o desemprego dentre as conquistas nada honrosas colhidas pelo caminho.

Está lá no Antigo Testamento, profetizado por Moisés em Deuteronômio, capítulo 28, versículo 68: “E ali (no Egito), quando vós vos venderdes aos vossos inimigos como escravos e escravas, não haverá ninguém que vos compre”. Mas houve e haverá sempre gente disposta a trabalhar sem trégua apenas para sobreviver.

Em tempos de informática e informação à vontade, o homem, senhor da informática, agente e consumidor voraz da informação, vai perdendo terreno para toda a sorte de máquinas. Se poupa energia física para o trabalho, gasta-a e desgasta-se para se manter empregado, comprometendo com isto a qualidade de vida no lar e no lazer. O moderno guerreiro está exausto. É preciso encontrar caminhos que o distanciem da profecia bíblica.

Em analogia à afirmativa de Maquiavel, será necessário dividir para incluir. A diminuição da jornada de trabalho, hoje tão necessária, é  exigida há longo tempo. “Tanto pior se o povo não tem tempo senão para ganhar seu pão”, escrevia o filosofo francês Jean-Jacques Rousseau a D’Alembert. “Este Deus justo e benéfico que quer que o povo esteja ocupado, quer também que ele descanse: a natureza impõe-lhe igualmente o exercício e o repouso, o prazer e a dor. O tédio do trabalho acabrunha mais os infelizes que o próprio trabalho”. 

O trabalho é o amor que se pode ver. “È semear com doçura e fazer a colheita com alegria, como se seu amado fosse comer o fruto” (Kahlil Gibran).

(Imagem: Flickr, do álbum de ZAYAN.1904)

agosto 08, 2012

A imperfeição humana

Desde a mais tenra idade somos ensinados e doutrinados a sermos perfeitos. Não podemos falhar em nossas ações mais corriqueiras. Entretanto o gênio lusitano de Fernando Pessoa preconizou de forma contrária: “Adoramos a perfeição porque não a podemos ter. Repugná-la-íamos, se a tivéssemos O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito”.

A imperfeição é a causa da diversidade humana, e se a Humanidade fosse perfeita, certamente não haveria diferenças por excesso ou defeitos das pessoas. Dessa forma a vida seria monótona e tediosa. A noção da imperfeição faz com que eu me sinta um ser limitado, alcançando desta forma o entendimento. Isto, por seu lado, me levará a respeitar o ambiente que me cerca e os direitos do meu semelhante. Essa aceitação de nossa imperfeição, do nosso limite pessoal em relação aos limites dos outros, constitui valor ético-espiritual, além de requisito indispensável ao nosso crescimento.

Na lógica do raciocínio até aqui exposto, temos a considerar que a perfeição não pode existir no nível humano, mas no sobre-humano. A História está repleta de pessoas que lutaram e deram suas vidas em prol de uma perfeição que negava qualquer valor mundano. Os santos e os iluminados transcenderam as vaidades humanas. Abandonando o caminho que efetivamente o humaniza e procurando sempre a perfeição, o Homem perdeu sua visão peculiar das coisas. O ideal de perfeição aniquilou o verdadeiro humanismo, que nos leva a aceitar não só nossas fragilidades, mas também a de nossos irmãos.

O próprio impulso evangélico se desenvolveu através de uma cultura da perfeição. Nascido para vencer, mística do sucesso que respiramos em toda parte. Achamos que a vida deva ser perfeita e procuramos nos comportar com perfeição, procurando o inatingível “deveríamos ser”.

A expressão “atingir a perfeição” é uma imprudência. A procura da perfeição nos torna tolos, presunçosos, retira de nós a capacidade de amar, perdoar e até mesmo de viver, pois nos submete a um processo de automutilação. Com a perfeição sempre saímos derrotados.

O homem precisa reconhecer que a perfeição é algo estritamente divino, e que “ser humano é a verdadeira meta à qual se dirige nosso ser”'. Nietzsche escreveu: “Amo os homens que caem porque são os que passam”. E ainda: “É preciso ter dentro o caos para dar luz a uma estrela que dança”.

(Imagem: Flickr, do álbum de pescator)