junho 30, 2012

Caminhando com prudência



Inconteste a sabedoria popular, ao preconizar que “caldo de galinha e cautela não fazem mal a ninguém”.  De fato, a prudência é verdadeira armadura que nos protege de nossos atos  impensados.

A palavra prudência vem do latim prudentia, que significa previsão, cautela, sagacidade. È uma das quatro virtudes humanas, ao lado da justiça, força ou fortaleza, temperança ou moderação. Prudência é o pré-julgamento, justo e sensato, que fazemos dos obstáculos cotidianos da vida. Precisamos sempre esperar raiar o novo dia para que possamos consertar o telhado de nossa existência.

A prudência faz parte da guarda de nossa própria sobrevivência. Pois como afirmou o filósofo  Epicteto, “primeiro, diga a si mesmo o que você deveria ser; depois, faça o que tem de fazer”.

Como peregrinos desnudos e desvalidos vagando qual nau sem rumo a um destino incerto, na longa busca do ancoradouro da eternidade, o homem precisa valer-se de arma principal que o protegerá das malicias, das artimanhas do seu próprio semelhante. Esta salvaguarda dependerá sempre de nós mesmos, pela maior ou menor capacidade em exercermos a prudência ante os malefícios da Humanidade.

O inigualável pensador e verdadeiro Doutor do pensamento humano, São Thomás de Aquino, dizia que “a prudência dirige as virtudes”. Ela não é um ato de covardia, pois ao agirmos com moderação não estamos fugindo dos problemas, mas usando a razão e o discernimento – tesouro ofertado somente à raça humana.

Através da prudência podemos conhecer nossas melhores qualidades. Muitos violentam suas capacidades e terminam por não se destacarem em nada. Existe o momento em que precisamos nos afastar dos problemas para enxergarmos seus verdadeiros perigos. Talvez uma das principais regras da prudência seja a do ‘saber esperar’.

Ainda um vez nos socorremos de Epicteto: “Um grande coração tem mais capacidade de suportar o sofrimento, quando sabe esperar e não se deixa levar pela pressa nem pelas paixões. Aquele que é senhor de si será depois também dos outros”.

Finalizo citando o escritor Robert Louis Stevenson: “Não julgue cada dia pela colheita que você obtêm, mas pelas sementes que você planta”.

(Imagem: Flickr, do álbum de Ben Heine)

junho 23, 2012

A exclusão social




No momento em que os olhos do mundo estão voltados para a Conferência Mundial Rio+20 , onde se discute o futuro do planeta e da própria Humanidade, vale acrescentar alguma reflexão sobre a exclusão social.

Muito se fala sobre o desenvolvimento sustentável – mote tanto de idealistas quanto de demagogos, que usam da retórica para manter apenas a ilusão e um fio de esperança para os desmunidos. È difícil reconhecer a existência de desenvolvimento quando seus benefícios  se acumulam longe da massa da população.

Da mesma forma, não é fácil reconhecer legitimidade de um modelo de desenvolvimento que exclui legiões de seres humanos das oportunidades de participação, não só nos frutos da riqueza, mas até mesmo na produção da riqueza. Tudo isso dificulta a percepção e compreensão de intervenções ativas e sérias no processo de secundarização das pessoas quanto aos benefícios do desenvolvimento. São migalhas distribuidas através de apelo populista, que visa sempre a manutenção do ‘status quo', perpetuando a miséria e alimentando a tirania dos mandatários corruptos, despojados de qualquer sentimento humano.

Nossa sociedade vive, assim, sempre à beira do abismo. A violência urbana devasta as grandes cidades brasileiras algumas vezes mais do que as guerras. E boa parte das vítimas tem sido trabalhadores, gente honesta, contribuintes que pagam impostos para reduzirem a fatalidade de terem que viver trancados em suas próprias casas.

Nossa indiferença pelos excluidos nos faz cúmplices dos governantes no crime do descaso social. Vale recordar Dom Helder Câmara e sua preocupação com a injustiça e a miséria da Humanidade: “A injustiça é una e indivisível: atacá-la e fazê-la recuar, aqui e ali, é sempre fazer avançar a justiça. È preciso não esquecer que a miséria e a injustiça são sempre mais difíceis de suportar nos países pobres; mas, as raizes mais fundas do mal se encontram no coração, nos interesses e práticas dos países ricos, com a cumplicidade dos ricos dos países pobres”.

Não estamos em face de um novo dualismo, que nos proponha as falsas alternativas de excluidos ou incluidos. A sociedade que exclui é a mesma sociedade que inclui e integra, que cria formas também desumanas de participação, na medida em que delas faz condição de privilégios e não de direitos. Enfim, precisamos responder sobre o que temos, o que somos – e do que somos – e o que realmente queremos. “Cada dia a natureza produz o suficiente para nossas carências. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário não haveria pobreza no mundo, e ninguém morreria de fome” (Gandhi).

(Imagem: Flickr, do álbum de adijr)

junho 16, 2012

A voz do silêncio




Ninguém consegue jamais falar ou escrever sobre o silêncio, por mais que deseje ou se empenhe. Quem o pretendesse, nem mesmo saberia o que estaria fazendo, isto é, que não estaria falando ou escrevendo sobre o silêncio, mas sobre outra coisa qualquer. Pois só é possível falar ou escrever, rompendo o silêncio.

O silêncio é sempre uma busca no vazio, uma possibilidade dentro da impossibilidade.Trata-se de uma experiência única e extraordinária, dela vivem e nela criam-se poetas, pensadores, enfim, os homens que trabalham com o amor e a razão. Tudo o que se diz, se escreve ou se cala acontece sempre a partir do silêncio. O sábio Lao-Tsé afirmava: “Falam-se palavras e apalavram-se falas, mas é no silêncio que mora a linguagem”.

Guardião da verdade, o silêncio é o espaço entre a vida e a morte. As plantas e as riquezas minerais discursam sobre seus encantos através de um poder que poucos conseguem vislumbrar no Universo – o poder do silêncio arrebatador e misterioso. Em todos os atos e fatos do cotidiano o silêncio está presente, seja em uma pausa, no ato de amar, no intervalo de uma nota musical, ou até no ritmo de nossa respiração. Morremos e nascemos a cada segundo.

O silêncio é ainda a confirmação do vazio, a expressão de que o nada é tudo. Ele nos assusta, porque é o momento em que estamos sozinhos, diante de Deus e de nós mesmos. È então que nos despimos de nossa arrogância e, como que através de um espelho invisível, conseguimos enxergar nossa verdadeira insignificância.

O homem fala por não suportar o silêncio da realidade nas realizações. O silêncio é como um caleidoscópio, pois quando ouvimos a voz do silêncio, ecos como vidrilhos coloridos nos apontam sempre caminhos desconhecidos.

O filosofo Sófocles, preconizou: “O homem supera o animal com a palavra; porém com o silêncio supera a si mesmo”. 

A voz do silêncio é a voz da celebração. Rilke já dissera que “quem se destina a celebrar, nasce, como o minério, do silêncio da pedra”.

(Imagem: Flickr, do álbum de Manuela)

junho 10, 2012

O outono da vida




Numa sociedade em que a beleza e a juventude são ícones do sucesso, o envelhecimento é encarado como derrota e fracasso da pessoa humana. Nas culturas orientais a velhice é cultuada como dádiva divina, os idosos são respeitados como sábios pois são depositários de incalculáveis tesouros, adquiridos com  a sabedoria sedimentada através dos tempos.

De forma inversa, a cultura ocidental desrespeita e abandona um patrimônio ímpar – seus filhos mais velhos. Paradoxal é que exista uma ordem quase que totalitária de que devemos viver mais, mas ninguém sabe envelhecer. Deveríamos seguir a máxima de Voltaire de que “a mocidade é apenas um romance e a velhice é sempre uma história”.

Atualmente, o ato de envelhecer começa a se associado à perda de prestígio e ao total afastamento do convívio social. A velhice não é mais considerada apenas um processo normal de deterioração do corpo, e sim um estado de espírito que caracteriza a forma do idoso encarar tal situação. No entanto – e apesar da idade – muitos jamais envelhecem. São pessoas que suportam nos ombros e na alma o peso da dor e da resignação.

Precisamos entender que envelhecer não nos afetará do ponto de vista humano. Quando ficar velho, você não será diferente do que foi no passado. Terá, sim, mais experiência e alguns problemas físicos, que podem também atingir os jovens. O idoso pode ser apenas um jovem com mais idade, pois o meio-dia da vida não pode ser apenas um apêndice da manhã. Assim como o sol recolhe seus raios para iluminar-se, também a pessoa idosa deve voltar-se a si mesma, a seu eu, e descobrir sua intima riqueza.

Quem na velhice descobre o mistério da vida e tem dela ampla visão, é sábio. A sabedoria é a primeira tarefa da velhice. Apesar do descaso da sociedade e dos governantes, que ignoram as pessoas no outono de suas vidas, cabe a cada um de nós dar o primeiro passo para desmistificar falsas verdades, encontrando assim o caminho para a sublime arte de envelhecer.

(Imagem: Flickr, do álbum de J. Asher Lynch)

junho 03, 2012

Só na multidão



 O inesquecível Renato Russo cantou que o mal do século é a solidão. Solidão não apenas de estar só, mas principalmente de estar só na multidão. Solidão que acentua nossa miopia moral, intelectual e espiritual. Não mais conseguimos enxergar o outro, a natureza, tampouco a nós mesmos. Prisioneiros de nossos destinos e do próprio agora, vivemos perdidos nos labirintos das incertezas e das desilusões. A inútil competitividade por valores desnecessários à nossa felicidade, nos torna fracos e doentes de corpo e alma.

O egoísmo e o medo são guardiões zelosos da masmorra de nosso inconsciente. Em nossa angústia cotidiana, procuramos a todo instante Deus e felicidade. Podemos afirmar que essa busca será sempre frustrante e estéril, porquanto Deus e a felicidade habitam em nós, e só nos daremos conta disso no momento em que vivermos uma vida plena, onde possamos enxergar ao invés de apenas ver; onde se possa dar e não apenas receber; onde se possa amar e não apenas ganhar.

Precisamos participar do humor e da beleza presentes em tudo na natureza. Porque nós, seres humanos, nos relacionamos com esse fenômeno bastante elementar ao passar algum tempo no mundo natural, admirando o fluxo da vida na natureza. Aprendendo dessa forma como as coisas são, o fundamento do próprio Universo, de nossa existência e de tudo o mais. Aprendemos que o pássaro canta não porque é feliz, mas é feliz porque canta.

Para escaparmos da solidão precisamos curar o mundo. Mas se queremos curar o mundo, diz  o monge zen Thich Nhat Hanh, devemos curar a nós mesmos. Já se disse que se não alterarmos a rota, chegaremos sempre aos mesmos lugares. Por isso precisamos exercer nosso poder de auto-expressão. Todo mundo é capaz de tudo, todo ser humano é re-criativo, sim, capaz de re-criar tudo que existe no Universo, transformando a criação divina em re-criação humana.

De uma pedra fria, de um mármore, Michelãngelo fazia esculturas verdadeiramente geniais. O sofrimento se torna mais suportável quando o expressamos através da arte. E todos nós somos artistas, cantores, escritores, poetas etc. Podemos não ser os melhores em tudo, mas podemos fazer tudo de melhor. Pois como afirmou Saul Bellow “mesmo no meio da maior confusão há ainda um canal aberto para a alma se expressar. Talvez seja difícil achá-lo porque ele pode estar encoberto... Mas o canal está sempre ali, e é preciso mantê-lo aberto para termos acesso à parte mais profunda de nós mesmos”.

(Imagem: Flickr, do álbum de Rizando el rizo)