Cinquenta
textos publicados após o início deste Portal
do Autoconhecimento, chego a uma etapa em que é inevitável olhar para trás.
Transpondo a barreira do primeiro artigo, intitulado A vida e com o qual inaugurei este blog, vou um pouco além, talvez
seduzido pela letra da canção que há tempos apregoava que recordar é viver.
Hoje
eu diria que evocar o passado é prestar contas de nossa existência. As
lembranças não são vãs, o passado aprisionado em nossa mente é depositário de
um filme imaginário que registra nossa caminhada terrena.
Creio
ser um privilégio viver em dois séculos, em dois milênios. Nasci em 1949, poucos
anos após o término da Segunda Guerra Mundial. Vim ao mundo numa época de
sonhos e esperanças, de personalidades como Charles Chaplin, Winston Churchill,
Carl Gustav Jung e outros líderes da Humanidade – todos então em plena
atividade.
Aos
dez anos de idade eu morava na serra de Nova Friburgo, em um pequeno lugarejo encravado
na mata. Ali não havia luz elétrica e – até em conseqüência – qualquer outro
tipo de conforto moderno. Mas era maravilhoso tomar banho no riacho de águas
cristalinas, sobre cujo leito, forrado de pedrinhas coloridas, era possível
apreciar o ir-e-vir dos peixes. E tudo isso sob a vigilância de alegres
esquilos, que chamávamos caxinguelês.
Insisto
ainda em lembrança rápida e revejo meu pai, Chefe da Estação Ferroviária, nossa
moradia. Fascinava-me aquele ‘cavalo de ferro’ fumegante nas madrugadas frias, fazendo
tremer nossa casa em sua passagem.
Chego
então ao meu primeiro contato com o mundo literário, através de Meus Verdes Anos, de José Lins do Rêgo, e
Urupês, de Monteiro Lobato. Aos
quinze anos de idade, após ler Dom
Quixote, escrevi um poema só com a letra C, intitulado Cervantes Continua Caminhando.
Do
rádio me veio a paixão pelo futebol. Os locutores narravam as partidas com tanta
emoção que, em criança, era fácil imaginar o estádio em nossa sala. Acompanhar
todas as Copas do Mundo vencidas pelo Brasil, ver Garrincha, Pelé, Zico e
tantos outros craques jogarem foi, para mim, um presente de Deus.
Vi nascer
a televisão, o homem caminhar na Lua, o conhecimento desbravado via Internet. A
tudo reputo dádiva divina, não concedida a todos. Tive a honra e a graça de conhecer
e manter alguns encontros com Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, Arcebispo de
Mariana, falecido em 2006 e autor do prefácio de meu livro Cativos na Liberdade. Apertei mãos dignas como as de Dom Helder
Câmara, Paulo Freire e Florestan Fernandes.
No
texto em que dei partida a esta série, falei do sofrimento, de onde tantas
vezes nos vem a energia para prosseguir. Se, nestes doze meses de caminhada, tive
tropeços pela dor de perdas como a de meu pai, por outro lado não me faltaram
forças e estímulo tão necessários ao re-erguimento, à retomada do caminho. Há
horizontes, ainda.
Confesso,
então, que a vida vale mesmo a pena.
(Imagem: Flickr, do álbum de globalrain)
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